NOVAS FAMÍLIAS E O DIREITO DE CADA UM: LANCE É LANCE, NAMORO É NAMORO.

NAMORO SIMPLES, NAMORO QUALIFICADO E UNIÃO ESTÁVEL   

Dando continuidade ao artigo anterior, falaremos hoje sobre como a lei brasileira trata os diferentes tipos de relacionamentos, das diferenças entre namoro e noivado e, com mais destaque, sobre os critérios que permitem a configuração de uma união estável. Nas palavras de João Moreno Pomar, namoro é um “ato preparatório”, enquanto noivado é uma promessa, e casamento um ato legal “para gerar efeitos jurídicos definitivos”.[1]

Partindo da relação mais simples, a primeira coisa que nos vem à cabeça quando falamos de namoro é um tipo de relação preparatória, com algum compromisso mas sem vinculação futura. No entanto, o que era simples – como acontece com quase tudo na sociedade moderna – ganhou novas possibilidades e passou a ser dividido entre: namoro simples e namoro qualificado.

Namoro simples é aquele em que as pessoas levam em conta apenas o tempo presente, sem formalidades ou preocupações com o futuro. O namoro envolve o agora, o conhecimento da pessoa, não a projeção patrimonial ou a formação imediata de família. Deste modo, não sendo dotado de implicação jurídica, afasta-se a configuração de união estável: cada um vive em sua residência, não compartilham patrimônio e não se apresentam como núcleo familiar individualizado, embora possam, eventualmente, frequentar um o lar do outro e estarem integrados às respectivas famílias.

De outro modo, o namoro qualificado é entendido como aquele que se prolonga por muito tempo, mas não chega a apresentar todos os requisitos essenciais para que uma família esteja configurada.[2] Ou seja, os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem, naquela fase, constituir uma família[3] apesar de assumirem um compromisso formal. É qualificado por estarem presentes quase todas as características da convivência familiar. Já o noivado costuma vir de uma evolução natural do namoro, quando este se torna mais firme, mas envolve a promessa de casamento e a projeção de formação de uma nova família.

Todavia, um namoro longo não é necessariamente uma união estável. Enquanto no namoro a constituição de família é um objetivo futuro, na união estável este afeto (animus familiae) é presente, ou seja, os envolvidos tratam-se como um núcleo independente, que vive junto, assume responsabilidades financeiras compartilhadas e toma decisões em par. Considerando que o ânimo é um estado interno de disposição, o fator externo é elemento fundamental para a caracterização da união estável: é preciso que o casal se apresente publicamente em uma relação que exceda o namoro. Para configurar essa intenção (futura) de família, portanto, o tratamento entre os companheiros e o reconhecimento social de seu estado são indispensáveis.

Em breves esclarecimentos: um casal pode morar na mesma casa e não dividir obrigações financeiras, não se tratar como um núcleo familiar, não se apresentarem publicamente como companheiros, persistindo a projetar para o futuro – sem realizar plenamente no presente – a construção de uma família. Por isso, tanto no namoro quanto no noivado a família é projeção, enquanto na união estável é realização imediata – embora informal.

União estável envolve “compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros”[4]. Do mesmo modo que o namoro não é considerado uma entidade familiar – embora planejada -, a residência comum não evidencia obrigatoriamente a caracterização de união estável, uma vez que os envolvidos podem ter interesses particulares (e distintos) para que a convivência sob o mesmo teto exista. Como as aparências externas das duas relações podem ser confundidas muitas vezes, é indispensável a presença concomitante de todos os requisitos (características externas e públicas, além do que vem estabelecido no artigo 1724 do Código Civil brasileiro: lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos) para reconhecimento deste tipo de vínculo.

 

[1] POMAR, João Moreno Pomar. Dos namoros aos Tribunais, 2006.

[2] OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar, 2005. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/13.pdf>. Acesso em: 05 de abril de 2018.

[3] VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018. p. 313

[4] (STJ, REsp 1.454.643/RJ 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 03.03.2015, DJe 10.03.2015)

NOVAS FAMÍLIAS E O DIREITO DE CADA UM. ESTADO CIVIL: DIVORCIADO

Até pouco tempo atrás era fácil dar nome às relações e saber o estado civil de cada pessoa: solteiros, casados (desquitados) ou viúvos. Como até 1977 o divórcio não era permitido por lei no Brasil, o “desquite” foi ficando e criava uma situação que muitas vezes criava inúmeros problemas: a pessoa desquitada oficialmente continuava casada apesar de já não viver mais a vida conjugal, não ter notícias do ex-cônjuge. As pessoas viviam “amasiadas” , eram concubinas. Tinham filhos, construíam patrimônio, tinham netos. Mas eram amasiados. A defasagem da lei desde 1916 até 1977 relegou a diversos casais e relacionamentos duradouros um termo informal que era, digamos, de pouco respeito. Viver como concubina significava pouca credibilidade e nenhum direito. Não importava quanto tempo durou o primeiro casamento ou quantos anos já viviam amasiados, quando o “cônjuge casado” morria, todos os direitos de herança pertenciam à antiga esposa ou antigo marido.
No primeiro texto dessa série falamos que as leis giram em torno de regular o direito sobre o patrimônio. O que levou o Brasil a aprovar a Lei do Divórcio em 1977 não foi apenas uma cobrança social que refletia os desdobramentos mundiais pós-guerra e, sobretudo das décadas seguintes – em especial as de 1960 e 1970. O mundo mudava e expressava profundas transformações na arte, na música, na política e no arranjo de forças entre países. O mundo estava polarizado entre conservadores e progressistas, liberais e comunistas. O Brasil se dividia entre a Bossa, o Rock e as Cantoras do Rádio. Nada disso, porém, era maior do que a necessidade de resolver as disputas de patrimônio. Quantas famílias ficaram desamparadas com a morte do “cônjuge casado” ou mesmo quando ocorria uma nova separação? Valia o papel e valia a lei. O nome de quem constava na escritura era o que valia. O estado civil era o que contava. Não importava quem ajudou a construir, quem sustentou. Valia o nome na certidão. Casamento era um só e todo o direito ficava embaixo desse guarda-chuva: direito ao nome, direito a moradia, direito de herança, direito de ser filho. Filho legítimo só dentro do casamento; filhos dos “amasiados” eram ilegítimos, não podiam ser registrados e não tinham direito a herança.
Toda essa realidade tão diferente da que vivemos hoje não faz muito tempo. Em 2017 a Lei do Divórcio completou 40 anos e pode ser considerada um passo fundamental para o reconhecimento da diversidade de relacionamentos e direitos que todas as pessoas detém em cada fase de suas vidas. Depois dela as uniões estáveis foram reconhecidas, todos os filhos passaram a ser legítimos. Entre 2004 e 2014 o número de divórcios cresceu 161,4% no Brasil (130,5 mil x 341,4 mil), conforme dados divulgados pelo IBGE. Na comparação entre 1984 e 2104, o crescimento é de 1.007%. Isso não significa necessariamente a falência das relações. Pode representar, de outro olhar, o fim formal de relacionamentos que haviam se tornado insustentáveis, permitindo, com as mudanças de lei o reconhecimento de novos formatos de famílias.
Nos próximos dias vamos começar a falar de cada um dos formatos de relacionamento, de famílias e como a lei brasileira trata cada um deles. #seeUsoon #CgaAdvogados #CgaFamília #CgaLaw #CgaNaRede