O que é intervenção federal?

República desde 1889, quando um movimento de liderança militar pôs fim ao governo monárquico no Brasil, nosso país também adota o sistema republicano de governo. Como muitas vezes estes dois referenciais são tratados como expressão única (“República Federativa”), não é incomum encontrar quem não os diferencie. Para tentar ajudar a explicar o que é a Intervenção Federal feita no Estado do Rio de Janeiro pelo Presidente da República, falaremos rapidamente do que cada uma trata.

Até o século XVIII, a forma de governo predominante e caraterística eram as monarquias absolutistas, nas quais Reis e Rainhas tinham poderes totais (absolutos). Governavam, legislavam, julgavam, exerciam todas as expressões do poder. Isso aconteceu como consequência dos movimentos dos séculos anteriores que culminaram com a formação e consolidação dos Estados-Nações. A imposição de força, conquista de territórios e submissão dos cidadãos fez sucumbir antigas experiências democráticas, como de algumas repúblicas italianas e a grega.

Para combater os excessos monárquicos, foram propostas teorias de divisão do poder. Elas defendiam que se o poder não estivesse na mão de apenas uma pessoa, quanto menos concentrado ele fosse, menos excessos e arbitrariedades seriam cometidos. Daí vieram a divisão de competência (República) e a divisão espacial do poder (federalismo). Quando falamos de “competência” significa dizer que o Governante não exerce todos os poderes, que passam a ser divididos entre executivo, legislativo e judiciário. Essa é a ideia da República.

Já o “espacial”, representa a criação de instâncias de governo (união, estados e municípios – no caso brasileiro). Esse é o ideal do federalismo. A federação pressupõe a existência de duas ou mais instâncias de governos (chamados “entes federativos”) nas quais existam as formas de exercício de poder (executivo, legislativo e judiciário). Os entes coexistem numa mesma Nação, autogovernam-se com alguma autonomia e devem contribuir para a manutenção, prosperidade e segurança do País.

Ora, se os entes federados (estados e municípios) coexistem com diferentes níveis de autonomia – que variará conforme a experiência de cada País – e visam à manutenção da unidade nacional, ocorrendo crise na manutenção e exercício do poder local, será do interesse dos demais entes federados que aquela unidade em crise seja socorrida. Aqui vale mencionar a já conhecida “teoria das janelas quebradas”, para a qual os pequenos delitos e degradações devem ser combatidos e imediatamente reparados sob pena de difusão do dano e perda de controle. Ampliando a “teoria das janelas quebradas” para o ambiente nacional, quando um ente federado entra em crise que afete o exercício do poder local, o interesse dos demais federados estará presente a fim de evitar que a desestrutura, ainda local, avance para outros ambientes e torne-se nacional, ameaçando a manutenção da própria ideia de Nação e preservação de território.

Com essa lógica, o artigo 21 da constituição federal brasileira estabeleceu que a União poderia decretar intervenção federal (inciso V) para (artigo 34, inciso III) “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” e (inciso IV) “garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação”. A intervenção é, portanto, baseada num princípio de solidariedade, pois visa socorrer o Ente no qual (artigo 34, inciso VII, “a”) a forma republicana, o sistema representativo ou o regime democrático estejam em risco, seja pelo descumprimento de decisões judiciais, pela afronta a leis federais, ou, como no caso fluminense, pela desarticulação da estrutura de polícia potencializada por grave crise de representação dos governantes executivos, assumidamente incapazes logística, política e financeiramente de reverter a desordem instaurada.

Todavia, como dito anteriormente, a difusão do poder tem como objetivo original evitar atos que poderiam ser classificados como tirânicos. Por isso, a constituição federal (CF) estabeleceu critérios claros e limites à retirada, relativa e provisória, de certos elementos de autonomia do estado ou município sobre o qual recairia eventual intervenção, dentre eles: estabelecer prazo de duração e indicar a amplitude (abrangência, o que está sendo combatido). O Decreto que instaura uma intervenção federal precisa, também, ser submetido ao Congresso Nacional, permitindo o controle de um Poder (Legislativo) sobre outro (Executivo).

No caso do Estado do Rio de Janeiro, tanto Câmara dos Deputados quanto Senado Federal aprovaram a medida no dia 20/fev/18.Há pelo menos uma ação, movida pelo PSOL, que visa declarar a inconstitucionalidade do decreto, argumentando não terem sido cumpridos alguns requisitos antes de sua promulgação. A ação ainda não foi julgada pelo STF.

Portanto, nessa leitura de fatos e interpretação legal, a intervenção da União sobre um estado ou município, desde que cumprindo rigorosamente critérios fixados na constituição (lei maior de um país), não deve ser considerada autoritária ou ditatorial, mas, ao contrário, deve ser vista como uma medida que visa, como principal objetivo, preservar valores democráticos e a unidade nacional.

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